quinta-feira, 29 de outubro de 2009

O trânsito e suas variáveis

Antes de ir pra Campinas, e um tempo depois que voltei de lá, morei perto do Capão Redondo, zona sul de São Paulo, 17km do centro. Morava próximo à represa do Guarapiranga, dependendo sempre do transporte público caótico da cidade. Acho que conheci bem as mazelas da periferia da cidade.

Dentre muitos outros problemas, a distância de tudo era um dos fatores que me fazia ficar em Campinas por meses até voltar pra visitar os pais. Sair com os amigos, só se pudesse dormir na casa deles depois do bar, porque voltar pra casa era inconcebível – por causa dos ônibus que paravam de rodar à meia-noite, por causa da violência do bairro onde morava, por causa da distância. De modo que eu quase nunca saía de noite, e preferia ir aos bares de dia mesmo, pra voltar bêbada às 22h.

Quando voltei de Campinas, voltei também a morar com os pais, coisa que mudaria assim que tivesse um trampo bom e fixo pra poder me sustentar. De primeira, consegui um trabalho na Vila Madalena. Era uma hora e meia pra ir e pra voltar, pegando trânsito insuportável da marginal e ônibus muito, muito cheios. Era um martírio, mas o trabalho e a hora do almoço compensavam bem.

Saí de lá, e logo emendei no trampo em Embu. A vida ficou um pouco mais tranqüila, porque de casa pra Embu demorava menos de uma hora, mesmo pegando dois ônibus por dia pra ir e voltar. Conheci outra parte de São Paulo, e só aí reparei que morava quase na divisa entre São Paulo e Itapecerica da Serra, bem perto de Embu.

Às vezes me dava ao luxo de pegar um metrô pra andar uma estação, e foi nessa vida que percebi que a linha lilás do metrô não era tão inútil quanto eu pensava. Eu, que dizia que a linha ligava o nada ao lugar nenhum, tive de morder a língua, porque era muita gente, às sete da manhã, dependendo dela pra ir trabalhar em Santo Amaro, em Itapecerica, em Embu. A minha sorte é que esse monte de gente pegava o caminho oposto ao meu, logo eu não sofria mais com ônibus cheio nem com trânsito congestionado. O que eu nunca pensei que ia acontecer na minha vida paulistana.

Quando mudei pro Anhangabaú, a distância pra Embu aumentou consideravelmente, mas o tempo continuou aceitável. Do centro de uma cidade a outra são 40km, que faço em uma hora e vinte minutos, pegando dois ônibus. Sem trânsito nenhum na ida, um pouco mais carregado na volta, mas nada que faça alguém ficar nervoso – a não ser quando chove muito, como nessa segunda-feira. Novamente, peguei o contra-fluxo de tudo, e a vida no transporte continuou tranqüila.

O melhor de tudo é que, mesmo “longe” do trabalho – demorava mais pra percorrer 14km dentro de São Paulo do que 40km, passando por duas cidades – fiquei mais perto de tudo. Dos bares, da vida cultural, dos amigos. E realizei um sonho que alimentava desde criança. É bom demais sair prum bar na noite de uma quarta-feira e poder dormir em casa. Bom demais ver o vale do Anhangabaú da janela de casa. Bom demais ter o barulho do trânsito constante na orelha.

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Turn! Turn! Turn!

"To everything - turn, turn, turn
There is a season - turn, turn, turn
And a time for every purpose under heaven

A time to be born, a time to die
A time to plant, a time to reap
A time to kill, a time to heal
A time to laugh, a time to weep

To everything - turn, turn, turn
There is a season - turn, turn, turn
And a time for every purpose under heaven

A time to build up, a time to break down
A time to dance, a time to mourn
A time to cast away stones
A time to gather stones together

To everything - turn, turn, turn
There is a season - turn, turn, turn
And a time for every purpose under heaven

A time of war, a time of peace
A time of love, a time of hate
A time you may embrace
A time to refrain from embracing

To everything - turn, turn, turn
There is a season - turn, turn, turn
And a time for every purpose under heaven

A time to gain, a time to lose
A time to rend, a time to sew
A time to love, a time to hate
A time of peace, I swear it's not too late!"


[A música acima foi baseada integralmente no livro do Eclesiastes - antigo testamento da Bíblia -, arranjada pela primeira vez por Pete Seeger, em 1959. A versão mais famosa, no entanto, é dos Byrds, rearranjada em 1965, fazendo parte do segundo álbum da banda. É a versão deles que aparece no filme Forrest Gump e no seriado Anos Incríveis.]

Pra aliviar um pouco a tensão no dia que recebi duas notícias igualmente tristes e pesadas, é a música que mais me lembrei para me mostrar os dois lados da vida, em vários aspectos. E na continuidade de tudo, apesar das inúmeras dificuldades.


p.s.: Abraço forte, mãe. Como o primeiro.

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Fim de semana

Sexta-feira. Cervejas à noite com amigos que a um bom tempo não via reunidos. Muita conversa, muita coincidência descoberta.

Sábado. Feira de quadrinhos, uma grana a menos na conta bancária. Companhia do padrinho, mostrando as melhores publicações da nona arte. Gaiman, Vaughan e Eisner presentes na modesta coleção. Jantar na casa dele, mais algumas cervejas e mais música boa descoberta.

Domingo. Pastel na Lorena com o irmão e namorada, filmes à tarde, quadrinhos de noite. Curtindo a casa com “novos” móveis.

Depois de uma semana de trampo intenso, percorrendo várias ruas de Embu, nada como um fim de semana tranqüilo pra descansar bem e se divertir ao mesmo tempo.

E, de fato, na sexta-feira a Augusta morre à uma da manhã. Mas, no sábado, ela sobrevive até umas quatro da madrugada.

terça-feira, 13 de outubro de 2009

Sobre abraços

Eu não tenho uma memória muito boa, em nenhum sentido. Muitas vezes esqueço tanto coisas importantes que me dizem quanto as besteiras de cada dia. E não é maldade, é esquecimento mesmo. Na hora presto muita atenção e sei reconhecer o devido valor, mas às vezes não dura muito ou quase nada.

Mas uma coisa que eu sempre lembro são os abraços. Lembro exatamente cada abraço bacana que recebi. A data, o local e o motivo. Como por exemplo, no abril de 2007, em São Carlos; em Maceió, em janeiro de 2008. Em Campinas, em setembro de 2007, em fevereiro de 2008 e em agosto de 2009. Em Ribeirão Preto, em novembro de 2008; em Uberlândia, em setembro de 2007.

Uma vez, conversando com uma amiga em Campinas, ela me disse [enquanto me mostrava a coleção de crachás dela] que uma das melhores coisas que ela tinha aprendido foi abraçar os amigos. Ela conseguiu traduzir bem o que eu já tinha sacado a um certo tempo, mas nunca tinha parado pra pensar sobre.

O que me fez pensar que um abraço é a coisa mais íntima que duas pessoas podem ter. Porque é nele que vc tem a real medida da energia que se passa de uma pessoa a outra. É no abraço que vc sabe a essência de cada um. E é no abraço que vc tem certeza do quanto aquela pessoa vai te marcar pelo resto da vida, mesmo que a própria vida faça com que uma suma da vida da outra.

[texto escrito a um tempo já, mas deu vontade de colocar aqui.]

domingo, 11 de outubro de 2009

A morte da Augusta

Sexta-feira, 19:30. Passo pela rua Augusta do começo ao fim, no ônibus que vem de Embu das Artes com destino ao Anhangabaú. Trânsito leve, baladeiros atrás de matinês baratas, em sua maior parte crianças de 14 anos, jovens executivos e assalariados em geral à procura da cerveja amiga do fim de expediente e/ou comemorando mais um fim de semana prolongado. Em uma hora, seria meu destino também, ao encontrar dois amigos na estação Consolação.

Pausa rápida em casa para tomar banho, arrumar a bolsa, fumar um cigarro para curar o cansaço do trânsito carregado ainda em Taboão da Serra e de volta à Augusta. Algumas cervejas, um lanche, sessão de cinema às 21:50. A quanto tempo não ia num cinema....filme bom, desses de arrepiar a alma. Logo após o filme, reencontro com o mesmo amigo da cerveja antes do cinema, e mais algumas num bar de rockeiros clássicos, com música boa, conversa saudosa, lembranças resgatadas.

Eis que, à uma da manhã, o garçom vem pedir pra pagar a conta. Eu já estava ciente que alguns bares fechavam à meia-noite, vítimas da lei anti-fumo e, conseqüentemente, da lei do silêncio. Mas não acreditamos que o bar, que ficou servindo até a uma da manhã, fecharia naquela hora. Desacreditados, saímos do bar, ainda com sede de mais cerveja. Um dos amigos foi embora, de skate, rumo à estação Paraíso. Eu e mais outro amigo continuamos descendo a Augusta, na esperança de acharmos mais algum bar aberto.

A esperança foi se esvaindo assim que chegávamos à Praça Roosevelt. Foi triste ver o bar que fiquei das sete da noite às seis da manhã com outros amigos queridos, num agora distante maio desse ano, fechado. A partir de então, nos conformamos em ir pra casa, conversar mais um pouco e dormir. Nem o bar da esquina de casa, que eu achei que ficaria aberto até umas três da manhã, estava disponível.

Quando chegamos em casa, a fala foi a mesma: mataram a Augusta. A rua que sempre me serviu de apoio e de residência nas horas de bebedeira, dessa vez em diante já não me seria a companhia da madrugada. Assim como as outras ruas do centro, com bares que tanto agüentaram minhas emoções e minhas risadas. A Augusta, assim como muitas outras ruas, morre à uma da manhã em São Paulo, que perdeu de vez o título de “a cidade que não dorme”.

São Paulo está obrigada a dormir, a fechar os olhos quando está no auge da diversão. Assim como as crianças que se recusam a dormir às dez da noite, sob as ordens e ameaças muitas vezes severas dos pais. Diversão de fato, agora, só emendando na casa de alguém, ou em alguma balada fechada e por vezes caríssima a quem só está à procura de um ambiente agradável e adequado para uma boa conversa, com algumas muitas cervejas como acompanhamento.

[Tenho ciência que o assunto do post não é original - muitos já devem ter falado sobre isso. Mas publico assim mesmo.]

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Latas

Esses dias eu “lembrei” que tenho uma coleção de latas. Lembrei por causa da decoração da casa nova, quando tava vendo uns quadros pra comprar e um de latas de cerveja do mundo inteiro me chamou a atenção. Não tanto pelo quadro em si, mas pra ver quais eu já tinha na coleção. Reparei, com um certo orgulho, que tenho muitas latinhas bacanas, algumas raras, a maioria dessas que se acha nas lojas mesmo.

A coleção começou quando tinha uns 13 anos, incentivada por um amigo da época que tava se desfazendo da coleção dele e me doou uma boa parte. A partir daí, toda vez que vou em qualquer lugar, seja em empórios ou em bares de esquina, fico reparando nas latinhas expostas. Na maioria das vezes que viajava pelo Brasil, trazia pelo menos uma. E sempre que sabia que algum amigo ia viajar pro exterior, pedia pra me trazer qualquer uma, mesmo amassada (porque latas não agüentam viagem). Quase nunca deu certo, mas consegui umas muito bacanas dos Estados Unidos e outra do Quênia.

Dentre as brasileiras, fiquei feliz de conseguir uma lata de guaraná genuíno da Amazônia (pelo menos era assim que era anunciada, em Belém), uma do guaraná Jesus – o refrigerante cor de rosa, lá do Maranhão -, cortesia de um amigo do meu pai, e um guaraná que só tem em Uberlândia.

Na coleção tem de tudo, tanto guaranás genéricos quanto cervejas importadas. Me importa mais a diversidade do que a qualidade da bebida. De fato, 80% do que tenho são de gosto sofrível, mas cada uma com uma história muito boa como pano de fundo. Acho que ainda consigo me lembrar da maioria dos fatos que me levaram a pegar cada lata. E claro que a coleção começou a engrenar mais quando aprendi a tomar cerveja, e depois quando comecei a ganhar um pouco mais de grana na vida.

Como curiosidade, até março desse ano eu tinha cerca de 1350 latas. Coleção extremamente modesta perto de muitos colecionadores. Mas que me enche de alegria. O único problema é o que fazer com elas, já que ainda estão na casa dos meus pais e não faço idéia se ficaria bacana no meu apartamento. E nem faço idéia de como transportá-las pra casa.

Lata de Coca-Cola azul, produzida especialmente para a festa dos bois Caprichoso e Garantido, em Parintins. Aceito doação!

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Campinas, de novo

Voltei à Campinas, por conta de um concurso que nos custou caro, mas que tá valendo cada discussão. Com dois membros originais do time, mais um amigo pronto a dar palpites e mostrar uma outra visão de projeto.

Foi bom voltar lá pela demanda da vida grande, pra ver amigos da faculdade. Foi bom ter visto o desespero deles por projetos que agora me parecem tão banais, mas que eu sei a importância de se passar por essa aflição. Foi bom ter voltado e ficado realmente na cidade, e não enfurnada numa sala de aula por dois dias, ter visto a cidade que tanto me acrescentou, com outra visão. E com o saudosismo inerente. Foi bom ter encontrado minha mãe.

Acho que foi nessa última viagem que reparei a importância que Campinas teve na minha vida. Relembrei vários momentos, desde quando fui pela primeira vez, em 2001 ainda, pra prova de aptidão em Arquitetura, até a despedida no Largo do Carmo com amigos recém-feitos, que me substituiriam no escritório. Lembrei dos projetos feitos, das caminhadas no sol a pino, das bebedeiras constantes, dos ônibus que mudavam frequentemente o itinerário. Das praças, das ruas, das pessoas. Do peso e da responsabilidade de estudar e trabalhar, quase não tendo tempo para mim mesma. De morar em comunidade, às vezes dando certo, às vezes dando bem errado.

Campinas, quem diria, virou uma das minhas cidades favoritas.