segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

O centro de SP

Morei 16 anos no Jardim Ângela (tido como o segundo bairro mais perigoso de SP, na época em que estava lá), depois fiquei 7 anos em Campinas (no centrinho do bairro classe média-alta perto da UNICAMP, lugar de estupros e assaltos constantes), voltei pra SP, fiquei mais 6 meses no Ângela, e logo me mudei pro centro de SP. Moro aqui há dois anos e meio.

No começo, a vida era ótima. Ônibus pra tudo quanto é lado, metrô do lado de casa, tudo é perto e os bares são baratos. Mas logo reparei que a ladeira da Memória era a casa de inúmeras crianças em situação de rua. A frente do meu prédio amanhecia com vários saquinhos com resquícios de cola de sapateiro. Quase toda noite tinha agentes de limpeza da prefeitura enxotando as crianças para poderem lavar a ladeira. Elas logo voltavam, arrumavam seus colchões e iam pedir dinheiro no bar mais próximo.

No primeiro ano de vivência no centro fui assaltada por uma dessas crianças. Eu estava na companhia de uma amiga, e tanto a criança tava louca de cola, quanto a gente tava doida de cerveja. A criança não quis meu celular (rejeitou na cara dura), e pudemos ir embora. A criança tinha 10 anos. Ao tomar o café da manhã no bar perto da casa dela, ela foi à nossa mesa pedir dinheiro. Minha amiga quis tirar foto com nosso assaltante, que admitiu, com palavras tortas, que foi ele mesmo. Nunca vi uma criança tão feliz por aparecer numa foto. Pagamos um lanche pra ele.

Uns 3 meses depois, as crianças tinham desaparecido. Logo imaginei grupos de extermínio. Mas, um ano depois, estavam de volta, para sumirem de vez meses depois.

Nesse segundo ano no centro, tive a idéia de ir andando à União de Mulheres de SP, no Bixiga. Dez minutos de caminhada, pertinho. Era domingo. No caminho, pela avenida Nove de Julho, um grupo de crianças doidas de cola me abordaram. Eu estava com um refrigerante, que deixei com elas. Eram mais de 10. Uma delas abriu minha mochila, que estava nas minhas costas, e prontamente foi repreendida pela criança mais velha, que me pediu desculpas. Não tive reação alguma.

Eu costumo chegar tarde em casa. Mas, em dois anos, tive apenas esses dois incidentes. Com crianças, que na abstinência, faziam qualquer coisa.

Hoje eu vi como vai ser o centro a partir de agora, com a política de dor e desespero. Se crianças nos deixam sem ação, com jovens e adultos a situação não melhora. É difícil falar de segurança pública com um governo desse. Que prioriza a truculência à ajuda. Que prefere mobilizar policiais para bater em estudantes e deixar o centro (e outras regiões tão perigosas quanto) desfalcado. Que prefere incitar o ódio da população aos que mais precisam dela. Que faz de tudo para que a população clame por gentrificação.

Estou de saco cheio disso tudo. Mas, pior ainda, estou de saco cheio de não saber como ajudar, sem depender do governo.

Um comentário:

Roberta Roque disse...

Leila, sou amiga do Luquinhas. Concordo com suas palavras! Eu moro próximo ao Bixiga, para cima da 13 de Maio. Confesso que sou uma pessoa com vários bloqueios e medos, e me sinto aprisionada por ter medo de andar em meu bairro (medo de crianças de dez anos!). Aqui nunca me aconteceu nada de muito excepcional, mas uma criança já rejeitou meu celular e já fiz a alegria de várias delas ao dar lanches e refrigerantes - apesar delas preferirem grana pra cola. É insustentável e ridícula a situação em que vivemos. Estamos sob um governo que acha que seres humanos em situação alarmante de saúde pública devem ser tratados por policiais com a autorização prévia de agressão. Eu não sei o que deveria ser feito, mas isso deveria ser debatido, pensado. Não simplesmente feito nessa loucura apressada próxima das eleições.