Eu não me lembro exatamente como a gente começou a se falar.
Lembro que comecei a conversar com alguns da turma dela (meus calouros) já no
meu quarto ano de faculdade, e as recém-amizades giravam em torno de cervejas
pelo bairro que morávamos em Campinas e festas na Unicamp. Lembro que ela não
era uma amiga de fato, mas sim uma boa conhecida.
Lembro que a gente não se falava tanto, mas havia um
respeito mútuo que foi se tornando maior nos nossos últimos anos na faculdade.
Ela, mais alinhada aos movimentos por moradia, junto a um grupo político que eu
demorava pra entender o porquê das suas ações; eu, totalmente voltada ao
movimento estudantil. Eu atrasei um ano na faculdade, me formei com a turma
dela, e tivemos a mesma orientadora.
Independente da gente não se falar tanto durante a
graduação, nos ajudávamos. Qualquer pedido ou favor era prontamente atendido,
pelas duas partes. E isso continuou depois de nos formarmos. Seja para contatos
de algum arquiteto bacana para trabalhar, ou para fechar o número exato de
estudantes a irem para Brasília.
Nos aproximamos mais quando viemos para São Paulo. Ela, ainda
engajada nos movimentos por moradia, eu sendo poder público no setor de
habitação, de outra cidade. Tínhamos mais assuntos em comum, e agora nos
encontrávamos com mais frequência nos botecos da capital. A amizade foi
crescendo, e as lembranças das conversas recentes, mais valorizadas. Lembro muito
bem de quando falei pra ela dos meus dramas familiares, no qual tive o retorno
dela sobre os mesmos problemas familiares que ela enfrentava. Acho que foi a
primeira conversa séria que tivemos.
De lá pra cá, as conversas e risadas só aumentaram. Porque
foi por causa dela (e de outro grande amigo) que estamos trabalhando no mesmo
lugar, lutando pela mesma coisa, confiando cada vez mais uma na outra. Porque só
ela consegue me fazer falar de maneira muito natural sobre a vida, sobre o
trabalho, sobre os tabus, sobre sexo, sobre o comunismo, sobre o futuro. É com ela que eu consigo dar boas risadas, beber até cair, xingar meio mundo, e
ficar absolutamente tranquila depois de tudo.
Quem diria. Eu, que tenho o coração de pedra e timidez acima
do normal, encontrei alguém para desabafar.
[Como eu demorei para reconhecer o valor dessa amizade. Mas
como tá valendo muito a pena tê-la como amiga principalmente agora, quando
tanta amizade de anos atrás parece se desfazer com tanta facilidade...]