sábado, 4 de junho de 2011

Sobre os moradores de favelas

Em praticamente dois anos de trabalho com habitação de interesse social, sempre me surpreendo com os moradores das áreas que trabalhamos. Com as suas ações, indignações, alegrias e esperanças.

Tem de tudo um pouco. Moradora que "bateu" uma laje nos fundos e fez uma varanda no quarto; morador que transformou a entrada da casa em comércio de n tipos (cabeleireiro, bar, floricultura); cores e mais cores dentro das casas, tv's de plasma na maioria delas.

Sobre a interação com eles, também tem de tudo. Já bati boca com morador teimoso que queria alargar o muro de entrada; com morador que achava que rolava privilégios estranhos para atendimento.

Mas já recebi inúmeros convites para tomar café. Já tomei café e coca-cola com outros tantos, já sentei e tomei café da manhã com outra moradora, já conversei e falei da vida com mais um monte. Almocei na casa de uma, ganhei um perfume de outra. Já me pagaram um café na padaria, já paguei muitas cocas nos mercadinhos locais.

Soube da vida de muita gente que trabalhou comigo nos mutirões. Recebi muitos elogios de muitos moradores, e muita compaixão de outra parte que acha que não mando nada (e, talvez, seja isso mesmo). Recebi muitos xingos e muitos dedos em riste, por não saber resolver na hora problemas geralmente complicados. Lidei com problemas sociais que passam ao largo da necessidade de uma casa.

Já passei por situações em que não sabia o que fazer. De casas caindo que não estão contempladas em projeto algum, de cubículos sem infra-estrutura básica com mais de 5 pessoas morando, quando nem uma caberia. De mulheres violentadas pelos maridos. Enfim, situações arquitetônicas, urbanísticas e, principalmente, sociais.

Sei que represento, pra muita gente, o descaso do Estado com eles. Mas, sei também que às vezes represento a única pessoa do poder público que conversa com eles. Nem que seja pra falar de futebol. Sei, também, que com um pouco mais de dedicação e ambição, posso trazer um pouco mais de conteúdo político, e pode ser que a organização deles deixe de ser um pouco menos individualista e mais coletivista.

Eu não sei se eles pensam que tô nessa vida pela grana; se eu tenho algum esquema na política; se eu tô lá a passeio. Eu não sei o que acham quando eu apareço aos sábados e domingos, trabalhando por algo que vai beneficiar a eles, e não a mim (até porque, faz uns 5 meses que não tenho fim de semana tranquilo). Eu acho que nem meus colegas queridos de trabalho e nem meus amigos chegados sabem exatamente porque trabalho nessa área. Porque sacrifico muitos fins de semana por isso.

Só sei que, apesar de tudo, trabalhar em favelas me fez ver sentido em muita coisa. Me fez desapegar muito de coisas materiais. Me fez dar o devido valor a tudo que tenho. Me fez ser uma profissional transparente (até demais da conta). Me fez reavaliar minhas convicções políticas. Me fez ter lapsos de esperança na humanidade. Me fez, finalmente, dar o devido retorno a quem realmente precisa.

E, acredito que, assim como a FeNEA começou a moldar meu caráter, esses trampos em favelas me fizeram ter certeza de quem eu sou. Mudou minha vida na mesma proporção.

Nenhum comentário: